segunda-feira, 4 de março de 2024

SONETO DE AMOR - José Régio




Não me peças palavras,

nem baladas, Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,

Deixa cair as pálpebras pesadas,

E entre os seios me apertes sem receio.


Na tua boca sob a minha, ao meio,

Nossas línguas se busquem, desvairadas...

E que os meus flancos nus vibrem no enleio

Das tuas pernas ágeis e delgadas.


E em duas bocas uma língua..., - unidos,

Nós trocaremos beijos e gemidos,

Sentindo o nosso sangue misturar-se.


Depois... - abre os teus olhos, minha amada!

Enterra-os bem nos meus; não digas nada...

Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!


José RÉGIO. José. Soneto de amor. In: ANDRADE, Eugénio de. Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa.

John KEATS - Endymion

John Keats listening to the Nightingale on Hampstead Heath c1845 by Joseph Severn.


 (excerpt)

BOOK I
A thing of beauty is a joy for ever:
Its loveliness increases; it will never
Pass into nothingness; but still will keep
A bower quiet for us, and a sleep
Full of sweet dreams, and health, and quiet breathing.
Therefore, on every morrow, are we wreathing
A flowery band to bind us to the earth,
Spite of despondence, of the inhuman dearth
Of noble natures, of the gloomy days,
Of all the unhealthy and o'er-darkened ways
Made for our searching: yes, in spite of all,
Some shape of beauty moves away the pall
From our dark spirits. Such the sun, the moon,
Trees old and young, sprouting a shady boon
For simple sheep; and such are daffodils
With the green world they live in; and clear rills
That for themselves a cooling covert make
'Gainst the hot season; the mid forest brake,
Rich with a sprinkling of fair musk-rose blooms:
And such too is the grandeur of the dooms
We have imagined for the mighty dead;
All lovely tales that we have heard or read:
An endless fountain of immortal drink,
Pouring unto us from the heaven's brink.

Endymion (trecho) - tradução de Augusto de Campos

O que é belo há de ser eternamente
Uma alegria, e há de seguir presente.
Não morre; onde quer que a vida breve
Nos leve, há de nos dar um sono leve,
Cheio de sonhos e de calmo alento.
Assim, cabe tecer cada momento
Nessa grinalda que nos entretece
À terra, apesar da pouca messe
De nobres naturezas, das agruras,
Das nossas tristes aflições escuras,
Das duras dores. Sim, ainda que rara,
Alguma forma de beleza aclara
As névoas da alma. O sol e a lua estão
Luzindo e há sempre uma árvore onde vão
Sombrear-se as ovelhas; cravos, cachos
De uvas num mundo verde; riachos
Que refrescam, e o bálsamo da aragem
Que ameniza o calor; musgo, folhagem,
Campos, aromas, flores, grãos, sementes,
E a grandeza do fim que aos imponentes
Mortos pensamos recobrir de glória,
E os contos encantados na memória:
Fonte sem fim dessa imortal bebida
Que vem do céus e alenta a nossa vida.

KEATS, John. "From Endymion" / "Do Endymion". In: CAMPOS, Augusto de. Byron e Keats: Entreversos. Traduções de Augusto de Campos. Campinas: Editora Unicamp, 2009.

       Nor do we merely feel these essences
For one short hour; no, even as the trees
That whisper round a temple become soon
Dear as the temple's self, so does the moon,
The passion poesy, glories infinite,
Haunt us till they become a cheering light
Unto our souls, and bound to us so fast,
That, whether there be shine, or gloom o'ercast;
They always must be with us, or we die.

       Therefore, 'tis with full happiness that I
Will trace the story of Endymion.
The very music of the name has gone
Into my being, and each pleasant scene
Is growing fresh before me as the green
Of our own valleys: so I will begin
Now while I cannot hear the city's din;
Now while the early budders are just new,
And run in mazes of the youngest hue
About old forests; while the willow trails
Its delicate amber; and the dairy pails
Bring home increase of milk. And, as the year
Grows lush in juicy stalks, I'll smoothly steer
My little boat, for many quiet hours,
With streams that deepen freshly into bowers.
Many and many a verse I hope to write,
Before the daisies, vermeil rimm'd and white,
Hide in deep herbage; and ere yet the bees
Hum about globes of clover and sweet peas,
I must be near the middle of my story.
O may no wintry season, bare and hoary,
See it half finish'd: but let Autumn bold,
With universal tinge of sober gold,
Be all about me when I make an end.
And now, at once adventuresome, I send
My herald thought into a wilderness:
There let its trumpet blow, and quickly dress
My uncertain path with green, that I may speed
Easily onward, thorough flowers and weed.


John keats (1795-1821)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Elizabeth Barrett Browning - HOW DO I LOVE THEE?


How Do I Love Thee? (Sonnet 43)

  • Share on Facebook
  • Share on Twitter
  • Share on Tumblr
  • View print mode

How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of being and ideal grace.
I love thee to the level of every day’s
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for right.
I love thee purely, as they turn from praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood’s faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints. I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life; and, if God choose,
I shall but love thee better after death.

This poem is in the public domain.

Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh'alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingênua e forte.
Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.

– Elizabeth Barrett Browning, [tradução Manuel Bandeira]. in: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. Sonnets from the Portuguese, nº 43 – Poema originalmente publicado em 1850.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Da calma e do silêncio


Quando eu morder

 a palavra,

por favor,

não me apressem,

quero mascar,

rasgar entre os dentes,

a pele, os ossos, o tutano

do verbo,

para assim versejar

o âmago das coisas.

 

Quando meu olhar

se perder no nada,

por favor,

não me despertem,

quero reter,

no adentro da íris,

a menor sombra,

do ínfimo movimento.

 

Quando meus pés

abrandarem na marcha,

por favor,

não me forcem.

Caminhar para quê?

Deixem-me quedar,

deixem-me quieta,

na aparente inércia.

Nem todo viandante

anda estradas,

há mundos submersos,

que só o silêncio

da poesia penetra.

 

EVARISTO, Conceição . Da calma e do silêncio. In: Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008


domingo, 3 de setembro de 2023

MOMENTO - Emílio Moura

 


Atiraram-te longe,

amarraram-te a mão e pregaram-te as asas.


agora, de repente,

tua presença me invade como a revelação do irreal,

meus sonhos te iluminam

e eu te reponho em ti.


In: Itinerário Poético, Belo Horizonte:UFMG, 2002, p. 143.

AVE MARIA, GRATIA PLENA



 Ave Maria, gratia plena, Dóminus tecum.

Benedícta tu in muliéribus,
et benedíctus fructus ventris tui, Iesus.

Sancta Maria, Mater Dei,
ora pro nobis peccatóribus,
nunc, et in hora mortis nostræ.
Amen.

PATER NOSTER - IESUS



 Pater noster, qui es in caelis:

Sanctificétur nomen tuum.

Advéniat regnum tuum.

Fiat volúntas tua,

Sicut in caelo, et in terra.

Panem nostrum supersubstantiátem da nobis hódie.

Et dimítte nobis débita nostra,

Sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris.

Et ne nos indúcas in tentatiónem.

Sed líbera nos a malo.

Amem.


Evangelium Secundum Mathaeum, caput VI, 9-13 In: NOVUM Jesu Christi Testamentum, 1911.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

MÁRIO QUINTANA - Seiscentos e Sessenta e Seis

 


Seiscentos e Sessenta e Seis

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.


(QUINTANA, Mario. Nova Antologia Poética. 9. ed. São Paulo: Globo, 2003)

domingo, 23 de abril de 2023

ACEITAÇÃO - Cecília Meireles



É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.

MEIRELES, Cecilia. Aceitação. In: Poesia completa. são Paulo: Global, 2017, p. 259. (Viagem, vol. 1)


foto - makamuki0 / Pixabay

MULHER AO ESPELHO - Cecília Meireles

 


Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.


Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.


Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?


Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.


Mas quem viu, tão dilacerados, 
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.


Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

MEIRELES, Cecília. Mulher ao espelho. In: Poesia completa. São Paulo: Global, 2017, p. 536. (Mar Absoluto e outros poemas, vol. 1)

foto - Reyner Criative - Pixabay

sábado, 22 de janeiro de 2022

Canticum Zachariae -Evangelium Secundum Lucam 1, 67-80

 



67. Et Zacharías pater eius replétus est Spíritu Sancto: et prophetávit dicens:

68. Benedíctus Dóminus Deus Israel, quia visitávit et fecit redemptionem plebi suae;

69. Et eréxit cornu salútis nobis: in domo David púeri sui.

70. Sicut locútus est per os sanctórum, qui a saeculo sunt, prophetárum eius:

71. Salútem ex inimícis nostris, et de manu ómnium, qui odérunt nos:

72. Ad faciéndam misericórdiam cum pátribus nostris: et memorári testaménti sui sancti.

73. Iusiurándü, quod iurávit ad Abraham patrem nostrum, datúrum se nobis:

74. Ut sine timóre, de manu inimicórum nostrórum liberáti, serviamus illi.

75. In sanctitáte, et iustítia coram ipso, ómnibus diébus nostris.

76. Et tu, puer, prophéta Altíssimi vocáberis: praeíbis enim ante fáciem Dómini paráre vias eius:

77. Ad dandam sciéntiam salútis plebi eius: in remissiónem peccatórum eórum:

78. Per víscera misericórdiae Dei nostri: in quibus visitávit nos, óriens ex alto:

79. Illumináre his, qui in tenébris, et in umbra mortis sedent: ad dirigéndos pedes nostros in viam pacis.

80. Puer autem crescébat et confortabátur spíritu: et erat in desértis usque in diem ostensiónis suæ ad Israel.


Novum Jesu Chrisi Testamentump.1912, p.144-145.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

ARTE DE AMAR - Amadeu Thiago de Mello

 




Não faço poemas como quem chora,

nem faço versos como quem morre.

Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira

quando muito moço; achava que tinha

os dias contados pela tísica

e até se acanhava de namorar.

Faço poemas como quem faz amor.

É a mesma luta suave e desvairada

enquanto a rosa orvalhada

se vai entreabrindo devagar.

A gente nem se dá conta, até acha bom,

o imenso trabalho que amor dá para fazer.


Perdão, amor não se faz.

Quando muito, se desfaz.

Fazer amor é um dizer

(a metáfora é falaz)

de quem pretende vestir

com roupa austera a beleza

do corpo da primavera.

O verbo exato é foder.

A palavra fica nua

para todo mundo ver

o corpo amante cantando

a glória do seu poder.


De uma vez por todas, 1996

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

IGNOTO DEO - José Régio (José Maria dos Reis Pereira)




Desisti de saber qual é o Teu nome,

Se tens ou não tens nome que Te demos,

Ou que rosto é que toma, se algum tome,

Teu sopro tão além de quanto vemos.


Desisti de Te amar, por mais que a fome

Do Teu amor nos seja o mais que temos,

E empenhei-me em domar, nem que os não dome,

Meus, por Ti, passionais e vãos extremos.


Chamar-Te amante ou pai... grotesco engano

Que por demais tresanda a gosto humano!

Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,


Desisti de Te achar no quer que seja,

De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja...

– Tu é que não desistirás de mim!


In: Biografia - 1952