domingo, 8 de novembro de 2009

Olhai os lírios do campo - Érico Lopes Veríssimo

Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu. Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou que ache que o povo deva viver narcotizado pela esperança da felicidade na "outra vida". Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos de fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão. Considera a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo. (...) E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim, à aceitação da luta necessária e do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar.

VERÍSSIMO, Érico. Olhai os lírios do campo. São Paulo: Globo, 1995, pp. 154-155

domingo, 1 de novembro de 2009

VOO - Cecília Meireles


A Darcy Damasceno



Alheias e nossas
as palavras voam.
Bando de borboletas multicolores,
as palavras voam.
Bando azul de andorinhas,
bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Voam as palavras
como águias imensas.
Como escuros morcegos
como negros abutres,
as palavras voam.
oh! alto e baixo
em círculos e retas
acima de nós, em redor de nós
as palavras voam.
E às vezes pousam.


(abril 1964)
MEIRELES, CECÍLIA. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987, p. 627