quarta-feira, 19 de outubro de 2011

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

COISAS QUE VÊM NA SORTE - Cecília Benevides de Carvalho Meireles


Acredito nos fatos mágicos. Sinto que andamos todos entre mistérios. Entre vultos que não aparecem. Executando ações incompreensíveis. Dizendo só metades de pensamentos. Construindo só pedaços de nossa história.
Pode ser que algum dia venha uma sombra mais sábia, e me leve consigo, por um caminho que ainda não descobri.
E a tua lembrança iria como a ponta de um manto ligando os passos que vão para a frente com o chão que ficou para trás. E o gosto da tristeza seria um anel envenenado na minha boca. de modo que eu não pudesse cantar. Nem falar. Nem sorrir.
***
Mas estou persuadida de que ir ou ficar é o mesmo. Não creio nos tempos. Não creio nos lugares. Não creio nas coisas. Não creio em ninguém. Talvez em mim, unicamente e levemente.
Tudo isto apenas porque sucedeu ficares de olhos fechados. Quem diria! e, ainda que agora os abrisses, tudo seria como está.
Por isso, desconfio que, se alguma sombra vier, eu é que lhe falarei brandamente, com uma linguagem sugestiva: "Não me leves, não. Estou muito feliz aqui. Até o fim dos horizontes, não há nada que me seduza. Nem do outro lado da terra. Nem mesmo acima do céu."

MEIRELES, Cecília. Coisas que vêm na sorte. In:______. Episódio Humano. Rio de Janeiro: Desiderata/ Batel, 2007, p. 88-89.