quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Limite sem limite - Delvanir Lopes





  

Sou o que passa,
repentinamente,
pelas cercas nas longas estradas,
pelos caminhos sem beiras,
pelos contornos de instantes se esfacelando,
continuamente.

Sempre passagem
- chegando e saindo -
deixo de ser livre para não ser prisioneiro.
Sempre ser e não-ser.
Sou o entre.

Decido pelo futuro - já foi.
Escolho a areia - a água invade.
Desejo a luz - há sombra.
Quero a lucidez - vem o enigma.
Cobiço a palavra - surge o silêncio.

No instante de vida, passo,
tudo passa:
depressa
e vagarosamente.

Na extremidade dessa linha
atravesso.

Limite sem limite.


Lopes, Delvanir. 
Limite sem limite. 
In Fímbria ou na morte da nossa hora. 
Pará de Minas/ MG: VirtualBooks, 2012, p 67.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

ECCE QUOMODO MORITUR JUSTUS - Jacobus Gallus Carniolus



Ecce quomodo moritur justus
et nemo percipit corde.
Viri justi tolluntur
et nemo considerat.
A facie iniquitatis
sublatus est justus
et erit in pace memoria eius:
in pace factus est locus ejus
et in Sion habitatio eius
et erit in pace memoria eius.


Vede como os justos morrem
e ninguém toma conhecimento.
Os justos são levados
e ninguém presta atenção.
De frente para a iniquidade
o justo é levado,
e sua memória estará em paz:
seu repouso é em paz
e sua morada em Sião,
e sua memória estará em paz.


Jacobus Gallus Carniolus
(Jacob Handl ou Jacob Handl-Gallus) (1550–1591)
trad. minha

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

NOCTILUZ - Delvanir Lopes

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Quando os últimos lumes apagarem suas velas
e pousarem, vagos, nas palavras já mortas ...
para sonhos e devaneios no silêncio,
as imagens serão memória.

Centelhas, pedaços de lembranças
apagando e acendendo, intermitentes,
em zigue-zagues,
repousarão nas negras árvores.

Antes que as palavras desistam de renascer
ou as ideias prefiram o esquecimento,
busque, na senda, a seta da clareira,
lá onde o fogo da luz passeia
até ser aspirado pelo corpo
e dar lume aos pensamentos.

Acenda a lanterna enquanto voa
e espalhe as fagulhas!
Que os mistérios da noite se desvelem
com sua alma iluminada
se inclinando sobre o silêncio dos campos,
dos cantos, das margens.


Noctiluz.




lopes, delvanir. noctiluz. in jardim de concisos. florianópolis: bookess, 2015, p. 45-46.

sábado, 5 de dezembro de 2015

RESÍDUO - Carlos Drummond de Andrade






De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.

Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).

Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.

Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
― vazio ―  de cigarros, ficou um pouco.

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.

Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?

Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.

De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil…
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver… de aspirina.
De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.

Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.





Carlos Drummond de Andrade
In A Rosa do Povo

Rio de Janeiro: Record, p. 92-95

domingo, 22 de novembro de 2015

A queda - Albert Camus





"Quando vejo uma cara nova, algo dentro de mim faz soar o alarme. "Devagar. Perigo!" Mesmo quando a simpatia é intensa, tenho cautela. 
Sabe que em minha pequena aldeia, em uma ação de represália, um oficial alemão pediu delicadamente a uma velhinha para fazer a gentileza de escolher entre os seus dois filhos o que seria fuzilado? Escolher, já imaginou? Aquele? Não, este aqui. E vê-lo partir. Não insistamos nisso, mas creia-me, caro senhor, todas as surpresas são possíveis. Conheci um coração puro que recusava a desconfiança. Era pacifista, libertário e amava com um único amor abrangente toda a humanidade e os animais. Sim, uma alma de elite, com toda a certeza. Pois bem, durante as últimas guerras religiosas, na Europa, retirou-se para o campo. Escreveu na entrada de sua casa: "De onde quer que você venha, entre e seja bem-vindo." Quem, segundo o senhor, respondeu a este belo convite? Os milicianos, que entraram como se a casa fosse deles e o estriparam."

Camus, Albert, 1913-1960. A queda. Tradução de Valerie Rumjanek - RIO de Janeiro. e-book.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

TE DEUM


Te Deum laudamus: te Dominum confitemur.
Te aeternum Patrem omnis terra veneratur.
Tibi omnes Angeli; tibi caeli et universae Potestates;
Tibi Cherubim et Seraphim incessabili voce proclamant:
Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth.
Pleni sunt caeli et terra maiestatis gloriae tuae.

Te gloriosus Apostolorum chorus,
Te Prophetarum laudabilis numerus,
Te Martyrum candidatus laudat exercitus.
Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia, Patrem immensae maiestatis:

Venerandum tuum verum et unicum Filium;
Sanctum quoque Paraclitum Spiritum.

Tu Rex gloriae, Christe.
Tu Patris sempiternus es Filius.
Tu ad liberandum suscepturus hominem,
non horruisti Virginis uterum.

Tu, devicto mortis aculeo,
aperuisti credentibus regna caelorum.
Tu ad dexteram Dei sedes, in gloria Patris.
Iudex crederis esse venturus.

Te ergo quaesumus, tuis famulis subveni:
quos pretioso sanguine redemisti.
Aeterna fac cum sanctis tuis in gloria numerari.

"Salvum fac populum tuum, Domine, et benedic hereditati tuae.
Et rege eos, et extolle illos usque in aeternum.
Per singulos dies benedicimus te;
Et laudamus Nomen tuum in saeculum, et in saeculum saeculi.
Dignare, Domine, die isto sine peccato nos custodire.
Miserere nostri Domine,
miserere nostri.
Fiat misericordia tua, Domine, super nos,
quemadmodum speravimus in te.
In te, Domine, speravi: non confundar in aeternum.

Hymnus ambrosianus. In Novum Jesu Christi Testamentum - vulgatae editionis juxta exemplar Vaticanun cum indite locupletissimo. Mechliniae, Novembris 1911, p. 126-127.


O God, we praise Thee, and acknowledge Thee to be the supreme Lord.
Everlasting Father, all the earth worships Thee.
All the Angels, the heavens and all angelic powers,
All the Cherubim and Seraphim, continuously cry to Thee:
Holy, Holy, Holy, Lord God of Hosts!
Heaven and earth are full of the Majesty of Thy glory.
The glorious choir of the Apostles,
The wonderful company of Prophets,
The white-robed army of Martyrs, praise Thee.
Holy Church throughout the world acknowledges Thee:
The Father of infinite Majesty;
Thy adorable, true and only Son;
Also the Holy Spirit, the Comforter.
O Christ, Thou art the King of glory!
Thou art the everlasting Son of the Father.
When Thou tookest it upon Thyself to deliver man,
Thou didst not disdain the Virgin's womb.
Having overcome the sting of death, Thou opened the Kingdom of Heaven to all 
believers.
Thou sitest at the right hand of God in the glory of the Father.
We believe that Thou willst come to be our Judge.
We, therefore, beg Thee to help Thy servants whom Thou hast redeemed with Thy 
Precious Blood.
Let them be numbered with Thy Saints in everlasting glory.

V.  Save Thy people, O Lord, and bless Thy inheritance!
R.  Govern them, and raise them up forever.

V.  Every day we thank Thee.
R.  And we praise Thy Name forever, yes, forever and ever.

V.  O Lord, deign to keep us from sin this day.
R.  Have mercy on us, O Lord, have mercy on us.

V.  Let Thy mercy, O Lord, be upon us, for we have hoped in Thee.
R.  O Lord, in Thee I have put my trust; let me never be put to shame.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

RIOS EM MIM - Delvanir Lopes

Observo estes rios em minhas mãos
que se bordam ao avesso
e se ramificam altos:
um richelieu sofisticado com tantas pontes e direções
que nascem e morrem em mim mesmo.

Observo estes rios em minhas mãos ,
escuros, índigos,
que se escondem quando aponto para o sol,
mas ,
estranhamente,
não transbordam quando o rumo é a terra.

Rios vivos, fecundos,
corpo palco
corpo tela,
corpo casa.
Rio: anda em mim na viagem sem tempo,
nutre essa superfície que se desgasta.

Veios margeados pelos respiros que dou,
sangue em cursos verticais espalhando
instantes de existência,
viaja em meu ser,
alimenta o que não se vê.

Esses rios,
que correm por tantas sendas,
encharcam o jardim em que habito

e fazem germinar realidades e sonhos.


LOPES, Delvanir. Rios em Mim. In Jardim de Concisos. Florianópolis: Bookess, 2015, p. 37-38.

domingo, 15 de novembro de 2015

POLLYANNA - Eleanor H. Porter





‘At nine o’clock every morning you will read aloud one half-hour to me. Before that you will use the time to put this room in order. Wednesday and Saturday forenoons, after half-  past nine, you will spend with Nancy in the kitchen, learning to cook. Other mornings you will sew with me. That will leave the afternoons for your music. I shall, of course, procure a teacher at once for you,’ she finished decisively, as she arose from her chair. 
Pollyanna cried out in dismay. 
‘Oh, but Aunt Polly, Aunt Polly, you haven’t left me any time at all just to—to live.’
‘To live, child! What do you mean? As if you weren’t living all the time!’ 
‘Oh, of course I’d be BREATHING all the time I was doing those things, Aunt Polly, but I wouldn’t be living. You breathe all the time you’re asleep, but you aren’t living. I mean living—doing the things you want to do: playing outdoors, reading (to myself, of course), climbing hills, talking to Mr. Tom in the garden, and Nancy, and finding out all about the houses and the people and everything everywhere all through the perfectly lovely streets I came through yesterday. That’s what I call living, Aunt Polly. Just breathing isn’t living!’ 


PORTER, Eleanor H. Pollyanna, e-book, p. 57 




Cada manhã, às nove horas você me lerá alto até as (sic) nove e meia. Antes disso tratará de arrumar seu quarto. Quintas e sábados, depois das nove e meia, irá para a cozinha aprender pratos com Nancy. Nos outros dias costurará ao meu lado. As tardes ficarão para a música - e o quanto antes eu tratarei de arranjar um professor, concluiu ela decisivamente, erguendo-se da cadeira.
Pollyanna gritou apavorada:
- Oh, tia Polly, a senhora não me deixou tempo nenhum para - para viver. 
- Para viver? Que quer dizer com isso? Como se não estivesse vivendo o tempo todo...
- Oh, estou respirando o tempo todo, mas fazer isso não é estar vivendo, tia Polly. A senhora respira todo o tempo que está dormindo e quem dorme não vive. Quero dizer vivendo, isto é , fazendo coisas de que a gente gosta, como brincar lá fora, ler para mim mesma, subir ao morro, conversar com o senhor Tom e Nancy no jardim, e saber tudo a respeito das casas e das pessoas que moram nas lindas ruas por onde passei. Isso é o que eu chamo de viver, tia Polly. Respirar só, não é viver.

PORTER, Eleanor H. Pollyanna. Trad. Monteiro Lobato. são Paulo: Cia Ed. Nacional, 1982, p. 39-40.


sábado, 7 de novembro de 2015

Le "Notre Père"



Original de la Bible en grec Matt.6:9-13

PATER HMWN 
O EN TOIS OURANOIS 
AGIASQHTW TO ONOMA SOU
ELQETW H BASILEIA SOU 
GENHQHTW TO QELHMA SOU 
WS EN OURANW KAI EPI GHS
TON ARTON HMWN TON EPIOUSION 
DOS HMIN SHMERON
KAI AFES HMIN TA OFEILHMATA HMWN 
WS KAI HMEIS AFHKAMEN TOIS OFEILETAIS HMWN
KAI MH EISENEGKHS HMAS EIS PEIRASMON 
ALLA RUSAI HMAS APO TOU PONHROU

Notre Père qui es aux cieux, 
que ton nom soit sanctifié,
que ton règne vienne
que ta volonté soit faite
sur la terre comme au ciel.
Donne-nous aujourd'hui notre pain de ce jour.
Pardonne-nous nos offenses
comme nous pardonnons aussi
à ceux qui nous ont offensés,
et ne nous laisse pas entrer dans la tentation,
mais délivre-nous du mal.
(Car c'est à toi qu'appartiennent :
le règne la puissance et la gloire,
Aux siècles des siècles.
Amen.)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O GUARDADOR DE REBANHOS - VIII


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão 
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

ALBERTO CAEIRO

domingo, 18 de outubro de 2015

JUVENTUDE - Sócrates, Hesíodo, Eugênio




A morte de Sócrates, pintura de Jacques Louis David, 1787



1. “A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a
autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos
filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando
uma pessoa idosa entra, respondem aos pais, são simplesmente maus”.

2. “Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a
juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é
insuportável, desenfreada, simplesmente horrível”.

3. “O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem
mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe”.

4. “Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens
são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de
antigamente…A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa
cultura”.


1. Sócrates (470-399 a.C.)
2.  Hesíodo (720 a.C.)
3. Eugênio, pensador ( 2.000 a.C.)
4. escrita em vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilônia  (século XLI a.C.)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

DAI IL MEGLIO DI TE



L’uomo è irragionevole,
illogico, egocentrico
NON IMPORTA, AMALO
Se fai il bene, ti attribuiranno
secondi fini egoistici
NON IMPORTA, FA’ IL BENE.
Se realizzi i tuoi obiettivi,
troverai falsi amici e veri nemici
NON IMPORTA, REALIZZALI.
Il bene che fai verrà domani
dimenticato.
NON IMPORTA, FA’ IL BENE
L’onestà e la sincerità ti
rendono vulnerabile
NON IMPORTA, SII FRANCO E ONESTO.
Dà al mondo il meglio di te, e ti
prenderanno a calci.
NON IMPORTA, DA’ IL MEGLIO DI TE.

Madre Teresa di Calcutta

domingo, 13 de setembro de 2015

Imitazione della gioia - Salvatore Quasimodo




Dove gli alberi ancora 
abbandonata più fanno la sera, 
come indolente 
è svanito l’ultimo tuo passo 
che appare appena il fiore 
sui tigli e insiste alla sua sorte.

Una ragione cerchi agli affetti, 

provi il silenzio nella tua vita.

Altra ventura a me rivela 

il tempo specchiato. Addolora 
come la morte, bellezza ormai 
in altri volti fulminea. 
Perduto ho ogni cosa innocente, 
anche in questa voce, superstite 
a imitare la gioia.

Salvatore Quasimodo

quinta-feira, 30 de julho de 2015

IMORTAL ATITUDE - Cruz e Souza



Bierstadt_- Among_the_Sierra_Nevada_Mountains_-_1868




Abre os olhos à Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
para ficar iluminado tudo
de uma luz imortal e transcendente.

Crer é sentir, como secreto escudo,
a alma risonha, lúcida, vidente...
E abandonar o sujo deus cornudo,
o sátiro da Carne impenitente.

Abandonar os lânguidos rugidos,
o infinito gemido dos gemidos
que vai no lodo a carne chafurdando.

Erguer os olhos, levantar os braços
para o eterno Silêncio dos Espaços
e no Silêncio emudecer olhando.

Cruz e Souza. Imortal Atitude. In Poesia. Rio de Janeiro: agir, 1982, p 72

quinta-feira, 23 de julho de 2015

EVANGELIUM SECUNDUM LUCAM - Novum Jesu Christi Testamentum



Bonum est sal.
Si autem sal evanúerit in quo condiétur?
Neque in terram, neque in sterquilinium útile est,
sed foras mittétur.
Qui haber aures audéndi,
áudiat.

Evangelium secundum Lucam XIV, 34-35. In p. Novum Jesu Christi Testamentum, 1911, p. 196

O sal, de fato, é bom. 
Porém, se até o sal se tornar insosso, com o que se há de salgar?
Não presta para a terra, nem é útil para o estrume:

jogam-no fora. 
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

tradução - Bíblia de Jerusalém, edições Paulinas. 



terça-feira, 21 de julho de 2015

LABIRINTOS - Delvanir Lopes

Escher - 1953 - Relativity

Os olhos silenciosos da noite espiavam de longe
as sombras do labirinto:
suas antigas paredes sinuosas
cercando caminhos,
apontando tantas direções.

Só uma chegada
para uma única partida.

Caminho que se desenha quando o passo é dado,
sempre incerto,
sempre necessário.

As vozes presas nos muros tão altos
confundiam quem tateava cada centímetro escuro,
guiavam quem,
sem esperança,
parava pela estrada,
entre pedras e espinhos.

Os olhos frios da noite não fecham,
viajam entre as colunas densas do labirinto
que se desdobra e confunde
em sombras e luzes que alternam e misturam
ventos e cheiros,
desejos e planos,
sentidos, memórias e tempos.

Só uma partida

para uma única chegada.

LOPES, Delvanir. Labirintos. In jardim de Concisos. Bookess: Florianópolis, 2015, p. 39.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Cântico Negro - José Régio ( José Maria dos Reis Pereira)

Cântico negro


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José Régio

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!