segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Da calma e do silêncio


Quando eu morder

 a palavra,

por favor,

não me apressem,

quero mascar,

rasgar entre os dentes,

a pele, os ossos, o tutano

do verbo,

para assim versejar

o âmago das coisas.

 

Quando meu olhar

se perder no nada,

por favor,

não me despertem,

quero reter,

no adentro da íris,

a menor sombra,

do ínfimo movimento.

 

Quando meus pés

abrandarem na marcha,

por favor,

não me forcem.

Caminhar para quê?

Deixem-me quedar,

deixem-me quieta,

na aparente inércia.

Nem todo viandante

anda estradas,

há mundos submersos,

que só o silêncio

da poesia penetra.

 

EVARISTO, Conceição . Da calma e do silêncio. In: Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008


domingo, 3 de setembro de 2023

MOMENTO - Emílio Moura

 


Atiraram-te longe,

amarraram-te a mão e pregaram-te as asas.


agora, de repente,

tua presença me invade como a revelação do irreal,

meus sonhos te iluminam

e eu te reponho em ti.


In: Itinerário Poético, Belo Horizonte:UFMG, 2002, p. 143.

AVE MARIA, GRATIA PLENA



 Ave Maria, gratia plena, Dóminus tecum.

Benedícta tu in muliéribus,
et benedíctus fructus ventris tui, Iesus.

Sancta Maria, Mater Dei,
ora pro nobis peccatóribus,
nunc, et in hora mortis nostræ.
Amen.

PATER NOSTER - IESUS



 Pater noster, qui es in caelis:

Sanctificétur nomen tuum.

Advéniat regnum tuum.

Fiat volúntas tua,

Sicut in caelo, et in terra.

Panem nostrum supersubstantiátem da nobis hódie.

Et dimítte nobis débita nostra,

Sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris.

Et ne nos indúcas in tentatiónem.

Sed líbera nos a malo.

Amem.


Evangelium Secundum Mathaeum, caput VI, 9-13 In: NOVUM Jesu Christi Testamentum, 1911.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

MÁRIO QUINTANA - Seiscentos e Sessenta e Seis

 


Seiscentos e Sessenta e Seis

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.


(QUINTANA, Mario. Nova Antologia Poética. 9. ed. São Paulo: Globo, 2003)

domingo, 23 de abril de 2023

ACEITAÇÃO - Cecília Meireles



É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.

MEIRELES, Cecilia. Aceitação. In: Poesia completa. são Paulo: Global, 2017, p. 259. (Viagem, vol. 1)


foto - makamuki0 / Pixabay

MULHER AO ESPELHO - Cecília Meireles

 


Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.


Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.


Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?


Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.


Mas quem viu, tão dilacerados, 
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.


Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

MEIRELES, Cecília. Mulher ao espelho. In: Poesia completa. São Paulo: Global, 2017, p. 536. (Mar Absoluto e outros poemas, vol. 1)

foto - Reyner Criative - Pixabay