sexta-feira, 7 de maio de 2010

AS PESSOAS SENSÍVEIS

As pessoas sensíveis não são capazes
de matar galinhas
Porém são capazes
de comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
à roupa do seu corpo
aquela roupa
que depois da chuva secou sobre o corpo
proque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
a roupa
que depois do suor não foi lavada
porque não tinham outra

"Ganhará o pão com o suor do teu rosto"
assim nos foi imposto
e não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão"
Ó vendilhões do templo
ó construtores
das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-les Senhor
porque eles sabem o que fazem.


Sofia de Mello Breyner - Livro Sexto, 1962

domingo, 18 de abril de 2010

THE ARROW AND THE SONG


I shot an arrow into the air,
it fell to earth, I knew not where;
for, so swiftly it flew, the sight
could not follow it in its flight.

I breathed a song into the air,
it fell to earth, I knew not where;
for who has sight so keen and strong,
that it can follow the flight of song?

Long, long afterward, in a oak
I found the arrow, still unbroke;
and the song, from beginning to end,
I found again in the heart of a friend.



LONGFELLOW, H.W. in. 101 great ameican poems.New York: Dover Publications, 1998, p. 6.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

APRENDIMENTOS - Manoel de Barros

" O filósofo Kierkkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre paa se conhecer. Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. disse que fosse ele um caracol vegetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das suas origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite! Eu vivi antigamente com sócrates, Platão, Aristóteles - esse pessoal. eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam que o fascínio poético vem das raízes da fala. Sócrates falava que as expressões mais eróticas são donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela. O que de mais eu sei sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca."

BARROS, Manoel de. Memórias Inventadas - as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, p. 109. Sócrates

domingo, 7 de março de 2010

ARANHOL - Cecília Benevides de Carvalho Meireles


Alto, onde a poeira quase não alcança,
ei-la tecendo a sua frágil teia;
passa e repassa em torno e não se cansa,
não se detém, não erra, não tonteia.

Por isso também eis que, sem tardança,
pronta, a urdidura esplêndida pompeia;
e é quando a aranha rútila descansa
no resplendor de seda que a rodeia.

O sol voluptuoso e ardente incide
na trama, em cujo centro o aracnide
como um fulvo topázio resplandece.

e eu penso que é filósofa esta aranha,
e, trânsfuga do mundo, se emaranha
no sonho sutilíssimo que tece.


21 de janeiro de 1918 - MEIRELES, Cecília. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 1565.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Caminho pelo acaso dos meus muros - Cecília Benevides de Carvalho Meireles


Caminho pelo acaso dos meus muros,
buscando a explicação dos meus segredos.
E apenas vejo mãos de brando aceno,

olhos com jaspes frágeis de distância,
lábios em que a palavra se interrompe:
medusas da alta noite e espumas breves.

Uma parábola invisível sobe
o rumo sossegado e vitorioso
em que minha alma, tão desconhecida,

vai ficando sem mim, livre em delícia,
como um vento que ares não fabricam.
Solidão, solidão e amor completo.

Êxtase longo de ilusão nenhuma.


MEIRELES, Cecília. Solombra. Nova Aguilar, 1987, p. 711

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

DESENHOS GRAFITE - Delvanir Lopes

Delvanir Lopes - grafite sobre canson
Delvanir Lopes - grafite sobre canson
Delvanir Lopes - grafite sobre canson

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

PARTIREI SEM DEIXAR NADA DE MIM - Delvanir Lopes

Partirei sem deixar nada de mim. 
Talvez algumas parcas lembranças que irão enfraquecendo com o tempo 
até consumirem-se. 

As impressões esvaecerão, 
cobertas pela areia da aragem. 
Realizações de anos serão transformadas em instantes de nada. 

Partirei. 
Porque a carruagem de Zéfiro me espera, 
o vento forte me empurra e me leva, 
mesmo guerreando com a vontade. 

Queria o instante eterno. 


Delvanir Lopes. Favônio, p. 15

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Cartas a um jovem poeta - Rainer Maria Rilke





[...] Indaga-me se os seus versos são bons. Pergunta a mim, depois de ter perguntado a várias pessoas. [...] O seu olhar está voltado para o exterior. Eis o que não deve acontecer. Ninguém pode dar-lhe conselhos nem ajudá-lo - ninguém! Só existe um caminho: penetre em si mesmo e procure a necessidade que o faz escrever. Observe se esta necessidade tem raízes nas profundezas do seu coração. Confesse à sua alma: "Morreria, se não me fosse permitido escrever?" [...] Examine-se a fundo, até achar a mais profunda resposta. Se ela for afirmativa, se puder fazer face a tão grave interrogação com um forte e simples "sou" , então construa a sua vida em harmonia com esta necessidade. a sua existência, mesmo na ora mais indiferente e vazia, deve tornar-se sinal e testemunho de tal impulso. aproxime-se então da natureza. Depois procure como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite, de início, os temas demasiado comuns: são os mais difíceis. Nos assuntos em que tradições seguras, às vezes brilhantes, se mostram em grande número, o poeta só pode realizar obra pessoal na plena maturidade da sua força. Fuja dos grandes assuntos e aproveite aqueles que o dia a dia lhe oferece. fale das suas tristezas e dos seus desejos, dos pensamentos que o tocam, da sua fé na beleza. Diga tudo com sinceridade calma e humilde. Utilize, para se exprimir, os objetos que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, as suas lembranças. Se o cotidiano lhe parece pobre, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser muito poeta para extrair as suas riquezas. [...]
RILKE, R. M. Poemas e Cartas a um jovem poeta. Rio de Janeiro: Technoprint, 1970, pp. 122-125

sábado, 19 de dezembro de 2009

PREGHIERA SEMPLICE - S. Francesco d'Assisi


O SIGNORE, FA´ DI ME UNO STRUMENTO DELLA TUA PACE. 
DOVE È ODIO, FA´ CH´IO PORTI L´AMORE, 
DOVE È OFFESA, CH´IO PORTI IL PERDONO, 
DOVE È DISCORDIA, CH´IO PORTI L´UNIONE, 
DOVE È DUBBIO, CH´IO PORTI LA FEDE, 
DOVE È ERRORE, CH´IO PORTI LA VERITÀ, 
DOVE È DISPERAZIONE, CH´IO PORTI LA SPERANZA, 
DOVE È TRISTEZZA, CH´IO PORTI LA GIOIA, 
DOVE SONO LE TENEBRE, CH´IO PORTI LA LUCE. 

O MAESTRO, FA´ CH´IO NON CERCHI TANTO: 
ESSERE CONSOLATO, QUANTO CONSOLARE; 
ESSERE COMPRESO, QUANTO COMPRENDERE; 
ESSERE AMATO, QUANTO AMARE. 

POICHÈ: 
SI È DANDO CHE SI RICEVE; 
PERDONANDO CHI SI È PERDONATI; 
MORENDO CHE SI RISUSCITA A VITA ETERNA. 

 S. FRANCESCO

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

SÉSAMO - Delvanir Lopes

Quero uma garça verde
revoar com ela, e amparado em suas asas, atingir o azul,
fazer rodopios e pensar que sou eu quem voa
e ser levado nos dedos do vento para qualquer lugar.
Quero uma garça que carregue no bico
sementes de gergelim, férteis, sedentas da criação,
e me deixe ser seu acólito na tarefa de espalhá-las,
sem lugar certo, sem direção;
tomá-las nas mãos e atirar a esmo,
ver os pequenos grãos caindo como chuva
penetrarem nos traços deixados na terra.

Quero uma garça negra,

que voe baixo para que ouça o ruído do solo
engolindo as sementes;
que voe alto para que veja as primeiras folhas
esticando-se para o sol,
e que caminhe nas águas
para que eu entenda a cor do entardecer.

Delvanir LOPES. 15/9/09 - Inéditos

domingo, 8 de novembro de 2009

Olhai os lírios do campo - Érico Lopes Veríssimo

Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu. Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou que ache que o povo deva viver narcotizado pela esperança da felicidade na "outra vida". Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos de fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão. Considera a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo. (...) E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim, à aceitação da luta necessária e do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar.

VERÍSSIMO, Érico. Olhai os lírios do campo. São Paulo: Globo, 1995, pp. 154-155

domingo, 1 de novembro de 2009

VOO - Cecília Meireles


A Darcy Damasceno



Alheias e nossas
as palavras voam.
Bando de borboletas multicolores,
as palavras voam.
Bando azul de andorinhas,
bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Voam as palavras
como águias imensas.
Como escuros morcegos
como negros abutres,
as palavras voam.
oh! alto e baixo
em círculos e retas
acima de nós, em redor de nós
as palavras voam.
E às vezes pousam.


(abril 1964)
MEIRELES, CECÍLIA. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987, p. 627