domingo, 27 de dezembro de 2020

AMANHÃ - Guilherme Arantes


 AMANHÃ


Amanhã será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar
Amanhã, redobrada a força
Pra cima que não cessa
Há de vingar
Amanhã, mais nenhum mistério
Acima do ilusório
O astro rei vai brilhar
Amanhã a luminosidade
Alheia a qualquer vontade
Há de imperar, há de imperar
Amanhã está toda a esperança
Por menor que pareça
O que existe é pra vicejar
Amanhã, apesar de hoje
Ser a estrada que surge
Pra se trilhar
Amanhã, mesmo que uns não queiram
Será de outros que esperam
Ver o dia raiar
Amanhã ódios aplacados
Temores abrandados
Será pleno, será pleno


Fonte: Musixmatch
Compositores: Guilherme Arantes
Letra de Amanhã © Warner/chappell Edicoes Musicais Ltda

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Deborah Brennand - Meu bem

 


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Meu bem

A noite não é uma vela
negra e sem lume,
não é um cacho de uvas
sombrio no parreiral.

Não é aquela borboleta
com asas escuras na mata,
menos ainda é um túmulo
com estrelas douradas.

A noite é, meu bem,

só a origem da claridade.


- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.

sábado, 19 de setembro de 2020

Não posso adiar o amor - António Ramos Rosa

 

António Ramos Rosa

1924-2013 

NÃO POSSO ADIAR O AMOR


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.
In: Viagem através duma nebulosa, 1960

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

MARCHA - Cecília Benevides de Carvalho Meireles




 As ordens da madrugada

romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebraram as formas do sono
com a idéia do movimento.

Vamos a passo e de longe;
entre nós dois anda o mundo,
com alguns vivos pela tona,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha dúvida aumento.

Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
-- e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.

Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga,
é tudo que tenho,
entre o sol e o vento:
meu vestido, minha musica,
meu sonho, meu alimento.

Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudades;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.

Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento...
Não há lagrima nem grito:
apenas consentimento.

In: Viagem
Ora Poética, Rio de Janeiro: Nova Aguilar,  1987, p. 125-126.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Fanatismo - Florbela Espanca

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Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.

Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist'rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

SPANCA, Florbela. In: Livro de Sóror Saudade

terça-feira, 18 de agosto de 2020

EPIGRAMA nº 2 - Cecília Benevides de Carvalho Meireles


És precária e veloz, Felicidade.

Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,

e, para te medir, se inventaram as horas.


Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.

Fizeste para sempre a vida ficar triste:

porque um dia se vê que as horas todas passam,

e um tempo, despovoado e profundo, persiste.


______. Obra Poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987, p. 85. (do livro Viagem)

quarta-feira, 29 de julho de 2020

O espelho - João Guimarães Rosa (fragmento)



— Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei… Explico-lhe: dois espelhos — um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era — logo descobri… era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?

Desde aí, comecei a procurar-me — ao eu por detrás de mim — à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio. Isso, que se saiba, antes ninguém tentara. Quem se olha em espelho, o faz partindo de preconceito afetivo, de um mais ou menos falaz pressuposto: ninguém se acha na verdade feio: quando muito, em certos momentos, desgostamo-nos por provisoriamente discrepantes de um ideal estético já aceito. Sou claro? O que se busca, então, é verificar, acertar, trabalhar um modelo subjetivo, preexistente; enfim, ampliar o ilusório, mediante sucessivas novas capas de ilusão. Eu, porém, era um perquiridor imparcial, neutro absolutamente. O caçador de meu próprio aspecto formal, movido por curiosidade, quando não impessoal, desinteressada; para não dizer o urgir científico. Levei meses.

ROSA, João G. O espelho. In> ______.Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 122-123

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Simbolismo do "centro" - Mircea Eliade



[...]

O que distingue o historiador das religiões de um simples historiador é que ele lida com fatos que, embora históricos, revelam um comportamento que vai muito além dos comportamentos históricos do ser humano. Se é verdade que o homem sempre encontra numa "situação", nem por isso essa situação é sempre histórica, ou seja, unicamente condicionada pelo momento histórico contemporâneo. O homem integral conhece outras situações além da sua condição histórica. Conhece, por exemplo, o estado de sonho, ou de devaneio, ou o da melancolia ou do desprendimento, ou da contemplação estética, ou da evasão etc. - e todos esses estados não são "históricos", embora sejam, para a existência humana, tão autênticos e importantes quanto a sua situação histórica. Aliás, o homem conhece vários ritmos temporais, e não somente o tempo histórico, ou seja, seu próprio tempo, a contemporaneidade histórica. Basta ele escutar uma bela música, ou apaixonar-se, ou rezar, para sair do presente histórico e reintegrar o presente eterno do amor e da religião. Basta ele abrir um romance ou assistir a um espetáculo dramático para encontrar um outro ritmo temporal - o que poderíamos chamar tempo adquirido - que, em todo o caso, não é o tempo histórico.

[...]


ELIADE, Mircea. Imagens e Símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 26.

domingo, 12 de julho de 2020

Die Spitze - Rainer Maria Rilke




Menschlichkeit: Namen schwankender Besitze, 
 noch unbestätigter Bestand von Glück:
ist das unmenschlich, daß zu dieser Spitze,
zu diesem kleinen dichten Spitzenstück 
zwei Augen wurden? - Willst du sie zurück?

Du Langvergangene und schließlich Blinde, 
ist deine Seligkeit in diesem Ding,
zu welcher hin, wie zwischen Stamm und Rinde, 
dein großes Fühlen, kleinverwandelt, ging?

Durch einen Riß im Schicksal, eine Lücke
entzogst du deine Seele deiner Zeit;
und sie ist so in diesem lichten Stücke,
daß es mich lächeln macht vor Nützlichkeit..

 (RILKE, Rainer Maria. New poems. Translation by Len Krisak; With na Introdution by George c. Schoolfield. New York: Boydell & Brewer, 2015, p. 78-79) 


Humanidade: termo para algo sem dono
mas sempre cintilante em sua felicidade.
É desumano que um par de olhos
tenham se reduzido a esta pequena peça de renda tecida -
dois olhos que você gostaria de ter de volta?

Rendeira, você há muito tempo se foi (e cega):
e infundiu nessa renda a sua devoção;
como uma árvore, pressionada entre o tronco e a casca, encontra
o caminho, ainda com sua emoção inalterada e bem?

Através de uma brecha, um rasgo no destino,
você desenhou sua alma diretamente na história;
e agora está tão presente nessa renda,
que faz alguém feliz com a sua utilidade.

(tradução minha)

quarta-feira, 1 de julho de 2020

OS INVASORES - Mário Quintana



Há muito que os marcianos invadiram o mundo:
são os poetas
e
como não sabem nada de nada
limitam-se a ter os olhos muito abertos
e a disponibilidade de um marinheiro em terra...
Eles não sabem nada nada
- e só por isso é que descobrem tudo.

QUINTANA, Mário, Os invasores. In: A vaca e o hipogrifo. São Paulo: Círculo do Livro,  1977, p. 100.

CÂNTICO XXVI - Cecília Benevides de Carvalho Meireles


Estrada, Floresta, Temporada, Outono, Queda, Paisagem

O que tu viste amargo,

Doloroso,
Difícil,
O que tu viste breve,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...



In: MEIRELES, Cecília. Cânticos. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 202.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

GITANJALI , 31 - Rabindranath Tagore


Rabindranath Tagore - Wikiwand



"Prisioneiro, contai-me quem foi que te prendeu?”
"Foi meu mestre" respondeu o prisioneiro, "Pensei que poderia assombrar o mundo com meu poder e riqueza, e acumulei em meu cofre o dinheiro que pertencia ao meu rei. Vencido pelo sono, deitei-me no leito que estava preparado para meu senhor e, quando acordei, encontrei-me preso em meu próprio cofre".
"Prisioneiro, contai-me quem foi que forjou essa inquebrantável corrente?"
"Fui eu mesmo", disse o prisioneiro. "Fui eu que forjei cuidadosamente essa corrente. Pensei que poderia prender o mundo com meu invencível poder, e que isso poderia me deixar em imperturbável liberdade. Noite e dia trabalhei nessa corrente com fogos terríveis e duras e cruéis marteladas. Quando terminei o trabalho e os elos estavam completos e inquebráveis, descobri que a corrente acorrentava a mim mesmo".

Rabindranath Tagore (Gurudev) - 1861/1941

domingo, 17 de maio de 2020

ORAÇÃO DA NOITE - Emiliano Perneta



A Nestor Vítor
Já de sombra se encheu o vale, que murmura,
Já se envolveu na treva a montanha, e o mar,
Ao longe, não é mais do que uma nódoa escura...
São horas de dormir; Maria: vem rezar.

Ajoelha-te aqui, em face das estrelas,
E em primeiro lugar, minha filha, bendiz’
A luz, que te criou formosa entre as mais belas,
E que te fez alegre, e portanto feliz.

Em seguida, bendize a terra e aqueles pobres
E mansos animais, e toda a criação:
A ovelha que te deu a lã, de que te cobres,
O boi que te ajudou, hoje, a ganhar o pão.

Abençoa também as árvores, o ramo
Carregado de fruto, as aleias em flor,
Onde correste mais ligeira do que um gamo,
A fronte a rorejar em gotas de suor.

Reza por todos e por tudo, porém reza,
Principalmente, pelos bons, que são os teus,
Na verde catedral chamada Natureza,
Única onde se pode inda falar com Deus.

Reza por todos os lutadores, Maria,
Que andam de arado em punho e de enxada na mão,
Cavando, sabe Deus, o pão de cada dia
Com que amargura, mas com que resignação!

Vê que silêncio tem a noite, e quão secreta
E misteriosamente a lua apareceu,
Descabelada, assim como uma Julieta,
Doida, a correr, atrás d’um pálido Romeu...

Vai, bendize essa paz, abençoa essas águas,
Que murmuram, à noite, éclogas ideais,
Como uma ninfa que soluçasse de mágoas,
Entre um vale de murta e um bosque de rosais...

Finalmente, abençoa a carícia do sono
Que eu já vejo descer sobre os teus olhos nus,
Inda mais leve do que uma folha d’outono,
Mais leve do que o som, mais leve do que a luz.

Suga como um vampiro esse dourado vinho,
Que nos faz esquecer tudo de uma só vez,
E é o caminho mais curto, e o melhor caminho,
E o manto que nos cobre a dor e a nudez!

Abril – 1912


PERNETA, Emiliano. Oração da Noite. In: Setembro.