SÚPLICA
CHOVE
.
CESAR, Ana Cristina. Chove. In: ______. Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 140.
Morte, vela, sentinela sou
Do corpo desse meu irmão que já se vai
Revejo nessa hora tudo o que ocorreu
Memória não morrerá
Vulto negro em meu rumo vem
Mostrar a sua dor plantada nesse chão
Seu rosto brilha em reza, brilha em faca e flor
Histórias vem me contar
Longe, longe, ouço essa voz
Que o tempo não levará
Precisa gritar sua força ê irmão
Sobreviver, a morte inda não vai chegar
Se a gente na hora de unir os caminhos num só
Não fugir nem se desviar
Precisa amar sua amiga ê irmão
E relembrar que o mundo só vai se curvar
Quando o amor que em seu corpo já nasceu
Liberdade buscar na mulher que você encontrou
Morte, vela, sentinela sou
Do corpo desse meu irmão que já se foi
Revejo nessa hora tudo que aprendi
Memória não morrerá
Longe, longe, ouço essa voz
Que o tempo não vai levar
Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para serem mais.
Multiplica os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.
MEIRELES, Cecília. Cântico XIII. In. ______.Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 196. (vol. 4)
Ah! para sempre! para sempre! Agora
Não nos separaremos nem um dia...
Nunca mais, nunca mais, nesta harmonia
Das nossas almas de divina aurora.
A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh'alma com a tu'alma goza e chora.
Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos seremos do celeste tato,
Do sonho envoltos na estrelada rede,
E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no clarão bendito,
Hão de enfim saciar tida esta sede ...
In: Cruz e Sousa: poesia. Rio de Janeiro: Agir, 1982, p. 92-93
Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
— Eu faço versos como quem morre.
(Teresópolis, 1912)
Inconstância das coisas do mundo!
Quisera tanto que durasse
qualquer desejo em qualquer dia
que mesmo sendo em demasia
eu deles nunca me fartasse;
assim enquanto não houvesse
nada mais que vos sugerisse
então que a vida ressurgisse
e só desejos refizesse;
porque deixei vossa verdade
ó coisas já feitas de espera
quando sempre tudo soubera
tão cheio de realidade;
pois bem sei que ando consumida
mas por desejos que são vida.
XX Sonetos, 1959