Não, meu coração não é maior que o mundo.
- Ó vida futura! nós te criaremos.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso grito,
por isso frequento os jornais, me exponho
cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
[...]
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas
e convocando ao suicídio.
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está
crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! nós te criaremos.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Mundo Grande. In. Sentimento do Mundo. Rio de Janeiro: MediaFashion, 2008, p. 73-75