terça-feira, 4 de janeiro de 2011

MUNDO GRANDE - Carlos Drummond de Andrade



Não, meu coração não é maior que o mundo. 
É muito menor. 
Nele não cabem nem as minhas dores. 
Por isso gosto tanto de me contar. 
Por isso me dispo, 
por isso grito, 
por isso frequento os jornais, me exponho 
cruamente nas livrarias: 
preciso de todos. 

Sim, meu coração é muito pequeno. 
Só agora vejo que nele não cabem os homens. 
Os homens estão cá fora, estão na rua. 
A rua é enorme. Maior, muito maior que eu esperava. 
Mas também a rua não cabe todos os homens. 
A rua é menor que o mundo. 
O mundo é grande. 

Tu sabes como é grande o mundo. 
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão. [...] 

Outrora escutei os anjos, 
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas. 
Nunca escutei voz de gente. Em verdade sou muito pobre. 

Outrora viajei 
países imaginários, fáceis de habitar, 
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas 
e convocando ao suicídio. 

Meus amigos foram às ilhas. 
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia 
de que o mundo, o grande mundo está 
crescendo todos os dias, 
entre o fogo e o amor. 

Então, meu coração também pode crescer. 
entre o amor e o fogo, 
entre a vida e o fogo, 
meu coração cresce dez metros e explode. 


- Ó vida futura! nós te criaremos.


ANDRADE, Carlos Drummond de. Mundo Grande. In. Sentimento do Mundo. Rio de Janeiro: MediaFashion, 2008, p. 73-75

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

TEUS OLHOS




Pasmei diante de teus olhos.

Eles me transportavam ao horizonte

ao pôr do sol, à manhã.

Neles havia o frescor da brisa que anunciava a chuva,

a quentura que traria um dia de calor,

havia tua alma, parceira tua,

tua essência.


Pasmei diante de teus olhos

que feito o celeste do dia sem nuvens,

profundos como o mar infindo,

eram o prenúncio de uma felicidade.

Neles percebi o sabor da aurora

e pude saudar a vida.

Vi o reflexo do meu rosto nos teus olhos.

Agora ando dentro de ti.


LOPES, D. Voragem. Pará de Minas (MG): VirtualBooks, 2010, p. 25-26.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

PARTIREI SEM DEIXAR NADA DE MIM - Delvanir Lopes





In memoriam a Duane Coulter
(1953-2010)
Partirei sem deixar nada de mim. 
Talvez algumas parcas lembranças que irão enfraquecendo com o tempo 
até consumirem-se. 

As impressões esvaecerão, 
cobertas pela aragem. 
Realizações de anos serão transformadas em instantes de nada. 

Partirei. 
Porque a carruagem de Zéfiro me espera, 
o vento forte me empurra e me leva, 
mesmo guerreando com a vontade. 

Queria o instante eterno. 


LOPES, Delvanir. Partirei sem deixar nada de mim. In: Favônio. Pará de Minas (MG): Virtual Books, p. 15.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

DISTANCE - Cecília Benevides de Carvalho Meireles (by Darlene J. Sadlier)



Who am I, the one who is on the veranda, 
in front of this sea, under the stars, 
seeing shapes move along? 

Do they know,perchance, who they are being? 
Do they feel the sky or the waters when they pass? 
Or don´t they see, or don´t they remember? 

 Like someone from this world wh turns his eyes 
towards the moon, meditating things 
and stares into the vagueness. 

- Towards this world pass my thoughts 
so foreign, so detached, 
as if this veranda were the Moon. 


MEIRELES, Cecília. Distance. Translation by Darlene Sadlier. In. Imagery and theme in the poetry of Cecília Meireles - a study of Mar Absoluto, 1983, p. 110-111.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

MAIS DESENHOS - Delvanir Lopes

Delvanir Lopes - Mama - grafite e pastel sobre papel textura
Delvanir Lopes - casa antiga - grafite sobre canson

domingo, 15 de agosto de 2010

EMERGÊNCIA - Mário Quintana

Delvanir Lopes - óleo sobre tela



Quem faz um poema abre uma janela.

Respira, tu que estás numa cela

abafada

esse ar que entra por ela.

Por isso é que os poemas têm ritmo

- para que possas profundamente respirar.



Quem faz um poema salva um afogado.



CARVALHAU , T.F. (org). QUINTANA, Mário. 80 anos de poesia. São Paulo: Globo, 2008, p. 141.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ao longe os montes têm neve ao sol... Fernando Pessoa


.
.
Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
.
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Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.
.
.
Mas tal como é, gozemos o momneto,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.
.
.
REIS, Ricardo. In. Fernando Pessoa- poemas escolhidos. São Paulo: Klick Editora/ Estadão, 1997, p. 56

segunda-feira, 26 de julho de 2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

AQUELA SOMBRA - Delvanir Lopes

Aquela sombra
veio e se instalou sobre mim
e a luminosidade que
o corpo emitia outrora
se extinguiu.
Sombra que
apaga a outra
se consome.
Luz dos olhos
deixa de ser guia quando não vê
a luz alheia.
E a sombra
que veio pedir,
o vento levou
(e trouxe sem pedir).
LOPES, Delvanir. Aquela Sombra. In. Favônio, Pará de Minas, Virtualbooks, 2009, p. 29.

terça-feira, 29 de junho de 2010

CARTA AOS "PUROS"

Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
e em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
capazes de não rir durante anos a fio.
(...)
Ó vós, homens iluminados a neón
seres extraordinariamente rarefeitos
Vós que bem-amais e vos julgais perfeitos
e vos ciliciais à ideia do que é bom.
(...)
Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
e vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antônimo da treva
e acreditais que o amor é o túmulo do forte.
(...)
Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos
que tudo equacionais em termos de conflito
e não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
e não sabeis vencer se não houver vencidos.

MORAES, Vinícius de. Para viver um grande amor. Rio de Janeiro: Mediafashion, 2008, P. 61-62

terça-feira, 25 de maio de 2010

12 DE SETEMBRO - Álvares de Azevedo

O sol oriental brilha nas nuvens, mais docemente a viração murmura e mais doce no vale a primavera
saudosa e juvenil é toda em rosa...
como os ramos sem folhas
do pessegueiro em flor.
[...]

II
Debalde nos meus sonhos de ventura
tento alentar minha esperança morta
e volto-me ao porvir...
A minha alma só canta a sepultura
e nem última ilusão beija e conforta
meu ardente dormir...

III
Tenho febre...meu cérebro transborda.
Eu morrerei mancebo, inda sonhando
da esperança o fulgor...
Oh! cantemos ainda: a última corda
Treme a lira...morrerei cantando
o meu único amor!

IV
Meu amor foi o sol que madrugava
o canto matinal da cotovia
e a rosa predileta...
Fui um louco, meu Deus, quando tentava
descorado e febril nodoar na orgia
os sonhos de poeta...
[...]
AZEVEDO, Álvares. Lira dos vinte anos

terça-feira, 18 de maio de 2010

MEDO DA ETERNIDADE


Jamais me esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
- Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.
- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.
- Não acaba nnca, e pronto.
Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.
- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo.
- Acabou-se o docinho. E agora?
- Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxapuxa cinzento qde borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.
- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
- Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.
Mas alividada. Sem o peso da eternidade sobre mim.


LISPECTOR, Clarice. Medo da eternidade. In. SANTOS, Joaquim F. (org). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007, p. 221-222.