domingo, 22 de novembro de 2015

A queda - Albert Camus





"Quando vejo uma cara nova, algo dentro de mim faz soar o alarme. "Devagar. Perigo!" Mesmo quando a simpatia é intensa, tenho cautela. 
Sabe que em minha pequena aldeia, em uma ação de represália, um oficial alemão pediu delicadamente a uma velhinha para fazer a gentileza de escolher entre os seus dois filhos o que seria fuzilado? Escolher, já imaginou? Aquele? Não, este aqui. E vê-lo partir. Não insistamos nisso, mas creia-me, caro senhor, todas as surpresas são possíveis. Conheci um coração puro que recusava a desconfiança. Era pacifista, libertário e amava com um único amor abrangente toda a humanidade e os animais. Sim, uma alma de elite, com toda a certeza. Pois bem, durante as últimas guerras religiosas, na Europa, retirou-se para o campo. Escreveu na entrada de sua casa: "De onde quer que você venha, entre e seja bem-vindo." Quem, segundo o senhor, respondeu a este belo convite? Os milicianos, que entraram como se a casa fosse deles e o estriparam."

Camus, Albert, 1913-1960. A queda. Tradução de Valerie Rumjanek - RIO de Janeiro. e-book.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

TE DEUM


Te Deum laudamus: te Dominum confitemur.
Te aeternum Patrem omnis terra veneratur.
Tibi omnes Angeli; tibi caeli et universae Potestates;
Tibi Cherubim et Seraphim incessabili voce proclamant:
Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus Sabaoth.
Pleni sunt caeli et terra maiestatis gloriae tuae.

Te gloriosus Apostolorum chorus,
Te Prophetarum laudabilis numerus,
Te Martyrum candidatus laudat exercitus.
Te per orbem terrarum sancta confitetur Ecclesia, Patrem immensae maiestatis:

Venerandum tuum verum et unicum Filium;
Sanctum quoque Paraclitum Spiritum.

Tu Rex gloriae, Christe.
Tu Patris sempiternus es Filius.
Tu ad liberandum suscepturus hominem,
non horruisti Virginis uterum.

Tu, devicto mortis aculeo,
aperuisti credentibus regna caelorum.
Tu ad dexteram Dei sedes, in gloria Patris.
Iudex crederis esse venturus.

Te ergo quaesumus, tuis famulis subveni:
quos pretioso sanguine redemisti.
Aeterna fac cum sanctis tuis in gloria numerari.

"Salvum fac populum tuum, Domine, et benedic hereditati tuae.
Et rege eos, et extolle illos usque in aeternum.
Per singulos dies benedicimus te;
Et laudamus Nomen tuum in saeculum, et in saeculum saeculi.
Dignare, Domine, die isto sine peccato nos custodire.
Miserere nostri Domine,
miserere nostri.
Fiat misericordia tua, Domine, super nos,
quemadmodum speravimus in te.
In te, Domine, speravi: non confundar in aeternum.

Hymnus ambrosianus. In Novum Jesu Christi Testamentum - vulgatae editionis juxta exemplar Vaticanun cum indite locupletissimo. Mechliniae, Novembris 1911, p. 126-127.


O God, we praise Thee, and acknowledge Thee to be the supreme Lord.
Everlasting Father, all the earth worships Thee.
All the Angels, the heavens and all angelic powers,
All the Cherubim and Seraphim, continuously cry to Thee:
Holy, Holy, Holy, Lord God of Hosts!
Heaven and earth are full of the Majesty of Thy glory.
The glorious choir of the Apostles,
The wonderful company of Prophets,
The white-robed army of Martyrs, praise Thee.
Holy Church throughout the world acknowledges Thee:
The Father of infinite Majesty;
Thy adorable, true and only Son;
Also the Holy Spirit, the Comforter.
O Christ, Thou art the King of glory!
Thou art the everlasting Son of the Father.
When Thou tookest it upon Thyself to deliver man,
Thou didst not disdain the Virgin's womb.
Having overcome the sting of death, Thou opened the Kingdom of Heaven to all 
believers.
Thou sitest at the right hand of God in the glory of the Father.
We believe that Thou willst come to be our Judge.
We, therefore, beg Thee to help Thy servants whom Thou hast redeemed with Thy 
Precious Blood.
Let them be numbered with Thy Saints in everlasting glory.

V.  Save Thy people, O Lord, and bless Thy inheritance!
R.  Govern them, and raise them up forever.

V.  Every day we thank Thee.
R.  And we praise Thy Name forever, yes, forever and ever.

V.  O Lord, deign to keep us from sin this day.
R.  Have mercy on us, O Lord, have mercy on us.

V.  Let Thy mercy, O Lord, be upon us, for we have hoped in Thee.
R.  O Lord, in Thee I have put my trust; let me never be put to shame.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

RIOS EM MIM - Delvanir Lopes

Observo estes rios em minhas mãos
que se bordam ao avesso
e se ramificam altos:
um richelieu sofisticado com tantas pontes e direções
que nascem e morrem em mim mesmo.

Observo estes rios em minhas mãos ,
escuros, índigos,
que se escondem quando aponto para o sol,
mas ,
estranhamente,
não transbordam quando o rumo é a terra.

Rios vivos, fecundos,
corpo palco
corpo tela,
corpo casa.
Rio: anda em mim na viagem sem tempo,
nutre essa superfície que se desgasta.

Veios margeados pelos respiros que dou,
sangue em cursos verticais espalhando
instantes de existência,
viaja em meu ser,
alimenta o que não se vê.

Esses rios,
que correm por tantas sendas,
encharcam o jardim em que habito

e fazem germinar realidades e sonhos.


LOPES, Delvanir. Rios em Mim. In Jardim de Concisos. Florianópolis: Bookess, 2015, p. 37-38.

domingo, 15 de novembro de 2015

POLLYANNA - Eleanor H. Porter





‘At nine o’clock every morning you will read aloud one half-hour to me. Before that you will use the time to put this room in order. Wednesday and Saturday forenoons, after half-  past nine, you will spend with Nancy in the kitchen, learning to cook. Other mornings you will sew with me. That will leave the afternoons for your music. I shall, of course, procure a teacher at once for you,’ she finished decisively, as she arose from her chair. 
Pollyanna cried out in dismay. 
‘Oh, but Aunt Polly, Aunt Polly, you haven’t left me any time at all just to—to live.’
‘To live, child! What do you mean? As if you weren’t living all the time!’ 
‘Oh, of course I’d be BREATHING all the time I was doing those things, Aunt Polly, but I wouldn’t be living. You breathe all the time you’re asleep, but you aren’t living. I mean living—doing the things you want to do: playing outdoors, reading (to myself, of course), climbing hills, talking to Mr. Tom in the garden, and Nancy, and finding out all about the houses and the people and everything everywhere all through the perfectly lovely streets I came through yesterday. That’s what I call living, Aunt Polly. Just breathing isn’t living!’ 


PORTER, Eleanor H. Pollyanna, e-book, p. 57 




Cada manhã, às nove horas você me lerá alto até as (sic) nove e meia. Antes disso tratará de arrumar seu quarto. Quintas e sábados, depois das nove e meia, irá para a cozinha aprender pratos com Nancy. Nos outros dias costurará ao meu lado. As tardes ficarão para a música - e o quanto antes eu tratarei de arranjar um professor, concluiu ela decisivamente, erguendo-se da cadeira.
Pollyanna gritou apavorada:
- Oh, tia Polly, a senhora não me deixou tempo nenhum para - para viver. 
- Para viver? Que quer dizer com isso? Como se não estivesse vivendo o tempo todo...
- Oh, estou respirando o tempo todo, mas fazer isso não é estar vivendo, tia Polly. A senhora respira todo o tempo que está dormindo e quem dorme não vive. Quero dizer vivendo, isto é , fazendo coisas de que a gente gosta, como brincar lá fora, ler para mim mesma, subir ao morro, conversar com o senhor Tom e Nancy no jardim, e saber tudo a respeito das casas e das pessoas que moram nas lindas ruas por onde passei. Isso é o que eu chamo de viver, tia Polly. Respirar só, não é viver.

PORTER, Eleanor H. Pollyanna. Trad. Monteiro Lobato. são Paulo: Cia Ed. Nacional, 1982, p. 39-40.


sábado, 7 de novembro de 2015

Le "Notre Père"



Original de la Bible en grec Matt.6:9-13

PATER HMWN 
O EN TOIS OURANOIS 
AGIASQHTW TO ONOMA SOU
ELQETW H BASILEIA SOU 
GENHQHTW TO QELHMA SOU 
WS EN OURANW KAI EPI GHS
TON ARTON HMWN TON EPIOUSION 
DOS HMIN SHMERON
KAI AFES HMIN TA OFEILHMATA HMWN 
WS KAI HMEIS AFHKAMEN TOIS OFEILETAIS HMWN
KAI MH EISENEGKHS HMAS EIS PEIRASMON 
ALLA RUSAI HMAS APO TOU PONHROU

Notre Père qui es aux cieux, 
que ton nom soit sanctifié,
que ton règne vienne
que ta volonté soit faite
sur la terre comme au ciel.
Donne-nous aujourd'hui notre pain de ce jour.
Pardonne-nous nos offenses
comme nous pardonnons aussi
à ceux qui nous ont offensés,
et ne nous laisse pas entrer dans la tentation,
mais délivre-nous du mal.
(Car c'est à toi qu'appartiennent :
le règne la puissance et la gloire,
Aux siècles des siècles.
Amen.)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O GUARDADOR DE REBANHOS - VIII


Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão 
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

ALBERTO CAEIRO