sábado, 18 de outubro de 2014

EDUCAÇÃO OU FALTA DELA

Há pessoas que não conseguem ou não aprenderam ou ainda não foram ensinadas a ter educação ou a pensar que, além de si mesmas, há outras pessoas no mundo. A falsa impressão de que tudo podem, seja porque imaginam que pagam pelos serviços, seja porque se julgam, pelo menos, uns dez níveis acima de todos os outros, chega a ser ridícula e dá asco. 
Não há, infelizmente, como dialogar com essas pessoas, mesmo porque o que sabem fazer, além de xingar, esbravejar, é repetir clichês e as mesmas frases sem quaisquer fundamentos. 
Sugestão a elas: prestem atenção ao redor, procurem entender que o mundo não gira em torno de vocês; dinheiro transforma as pessoas fracas e sem consciência em arrogantes e frias. Pensem que há gente que sofre as consequências de suas ações prepotentes e descabidas. Leiam mais jornal, abandonem um pouquinho as novelas, alarguem seus horizontes, só para ver se conseguem ver além do umbigo. 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

MORMAÇO DE PRIMAVERA - Amadeu Thiago de Mello





Entre chuva e chuva, o mormaço.
A luz que nos entrega o dia
não dá ainda para distinguir
o sujo do encardido,
o fugaz, do provisório.
A própria luz é molhada.
De tão baça, não me deixa
sequer enxergar o fundo
dos olhos claros da mulher amada. 

Mas é com esta luz mesmo,
difusa e dolorida,
que é preciso encontrar as cores certas
para poder trabalhar a primavera. 

MELLO, Thiago de. Poesia Comprometida com a minha
 e a tua vida. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986, p. 35



domingo, 31 de agosto de 2014

Epítomes, Concisos e Nótulas - Delvanir Lopes





Não falarei do que não sei,
mas falarei do que aspiro:

jardins de concisos,
girassóis azuis
e campânulas brancas;

montanhas, neblinas,
nuvens e chuvas
e nótulas brotando.

O momento em que sou,
agora,
escapa de mim.
O tempo abrevia o que já é rápido
e sobram pequenas lembranças
que – sei – esvanecerão,
solitárias,
em minha mente.

Por isso, só posso ser epítome
num jardim de tantas flores,
tantas cores,
tantos cheiros,
tantos insetos
e tantos frutos.

O jardim em que vivi
aguarda novos partos.

Delvanir Lopes. In. Jardim de Concisos. Florianópolis: Bookess, 2015, p. 13-14. 

domingo, 10 de agosto de 2014

LIBERDADE




    Ai que prazer
    não cumprir um dever.
    Ter um livro para ler
    e não o fazer!
    Ler é maçada,
    estudar é nada.
    O sol doira sem literatura.
    O rio corre bem ou mal,
    sem edição original.
    E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
    como tem tempo, não tem pressa...

    Livros são papéis pintados com tinta.
    Estudar é uma coisa em que está indistinta
    A distinção entre nada e coisa nenhuma.

    Quanto melhor é quando há bruma.
    Esperar por D. Sebastião,
    Quer venha ou não!

    Grande é a poesia, a bondade e as danças...
    Mas o melhor do mundo são as crianças,
    Flores, música, o luar, e o sol que peca
    Só quando, em vez de criar, seca.

    E mais do que isto
    É Jesus Cristo,
    Que não sabia nada de finanças,
    Nem consta que tivesse biblioteca...

         Fernando Pessoa

sábado, 21 de junho de 2014

a primeira atitude para com o outro





Tudo o que vale para mim vale para o Outro [...]. Se partirmos da revelação inicial do Outro como olhar, devemos reconhecer que experimentamos nosso inapreensível Ser-para-o-Outro na forma de uma posse.Sou possuído pelo Outro; o olhar do Outro modela meu corpo em sua nudez, causa seu nascer, o esculpe, o produz como é, o vê como jamais o verei. O Outro detém um segredo: o segredo do que sou.[...] Esta forma de "propriedade", com a qual tão comumente se explica o amor, não poderia ser primordial, com efeito. Por que iria eu querer apropriar-me do Outro não fosse precisamente na medida em que o Outro me faz ser? Mas isso comporta justamente certo modo de apropriação: é da liberdade do outro enquanto tal que queremos nos apoderar.[..] Que bom é ter olhos, cabelos, sobrancelhas, e esbanjá-los incansavelmente em um transbordamento de generosidade a esse desejo infatigável que o Outro faz-se livremente ser. 

Sartre, JP. O ser e o nada. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 454ss.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

DE PROFUNDIS CLAMAVI - Charles Baudelaire



J'implore ta pitié, Toi, l'unique que j'aime, 

Du fond du gouffre obscur où mon coeur est tombé. 
C'est un univers morne à l'horizon plombé, 
Où nagent dans la nuit l'horreur et le blasphème; 


Un soleil sans chaleur plane au-dessus six mois, 
Et les six autres mois la nuit couvre la terre; 
C'est un pays plus nu que la terre polaire 
-- Ni bêtes, ni ruisseaux, ni verdure, ni bois! 

Or il n'est pas d'horreur au monde qui surpasse 
La froide cruauté de ce soleil de glace 
Et cette immense nuit semblable au vieux Chaos; 

Je jalouse le sort des plus vils animaux 
Qui peuvent se plonger dans un sommeil stupide, 
Tant l'écheveau du temps lentement se dévide! 

BAUDELAIRE, Charles. In Les fleurs du mal. 

terça-feira, 29 de abril de 2014

AMOR ETERNO


Podrá nublarse el sol eternamente; 
Podrá secarse en un instante el mar; 
Podrá romperse el eje de la tierra 
Como un débil cristal. 
¡todo sucederá! Podrá la muerte 
Cubrirme con su fúnebre crespón; 
Pero jamás en mí podrá apagarse 
La llama de tu amor.

Gustavo Adolfo Bécquer

domingo, 6 de abril de 2014

PREPARAÇÃO PARA A MORTE




A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma, 
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro, 
Com sua plumagem, seu voo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
---Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres. 

BANDEIRA, Manuel. In. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 268.

domingo, 9 de março de 2014

Rota fortunae - Delvanir Lopes



Foi nos dias de verão
quando os delírios se tornaram mais intensos,
que no sol,
jardins irreais,
por onde passeei tantas horas,
iam, translúcidos,
sendo taciturnos desertos.

Foi nos dias de angústia,
quando as flechas,
torres secas,
sombras e céu sem nuvens,
- esse cemitério de sonhos -
iam gerando braços mortos,
enlaçados,
que um dia quis imortais.

Libertar,
fugir dos nós do jogo sem convite.
Esperar,
sem paciência, que o gelo derreta a loucura
que já domina meus dias.
Aceitar, chorando,
o novo lance do acaso.

São tantas despedidas
no verão do sofrimento
quando as almas se derretem
e atravessam os vitrais do tempo

para pousarem em jardins de vento
e serem só perfume...

que espero a primavera,
quando as sementes de cores
atrairão aves migratórias
para povoar esse jardim;
quando os ventos do poente
virão, mansamente,
girar, ainda uma vez,
a roda do meu destino.


LOPES, Delvanir. Rota Fortunae In: Jardim de concisos. Florianópolis: Bookess, 2015, p. 63-64.


domingo, 2 de março de 2014

MADRUGADO - Delvanir Lopes

Madrugado
 


 Cheguei antes do sol,
carregado de noite e de orvalho,
protegido no silêncio em meio às árvores
sem primavera.

O assovio de morte que atravessa os galhos,
secos e tortos,
respira próximo aos meus ouvidos,
sussura que não é o fim
e leva os pensamentos
que, desprendidos,
voam para a saudade

e se libertam no esquecimento.

LOPES, Delvanir. Epítomes, concisos e nótulas. Pará de Minas: VirtualBooks, p.13. (no prelo)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

CARTAZ PARA UMA FEIRA DO LIVRO



Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.



QUINTANA, Mário. 80 anos de poesia. São Paulo: Globo, 2008, p. 113