domingo, 31 de agosto de 2014

Epítomes, Concisos e Nótulas - Delvanir Lopes





Não falarei do que não sei,
mas falarei do que aspiro:

jardins de concisos,
girassóis azuis
e campânulas brancas;

montanhas, neblinas,
nuvens e chuvas
e nótulas brotando.

O momento em que sou,
agora,
escapa de mim.
O tempo abrevia o que já é rápido
e sobram pequenas lembranças
que – sei – esvanecerão,
solitárias,
em minha mente.

Por isso, só posso ser epítome
num jardim de tantas flores,
tantas cores,
tantos cheiros,
tantos insetos
e tantos frutos.

O jardim em que vivi
aguarda novos partos.

Delvanir Lopes. In. Jardim de Concisos. Florianópolis: Bookess, 2015, p. 13-14. 

domingo, 10 de agosto de 2014

LIBERDADE




    Ai que prazer
    não cumprir um dever.
    Ter um livro para ler
    e não o fazer!
    Ler é maçada,
    estudar é nada.
    O sol doira sem literatura.
    O rio corre bem ou mal,
    sem edição original.
    E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
    como tem tempo, não tem pressa...

    Livros são papéis pintados com tinta.
    Estudar é uma coisa em que está indistinta
    A distinção entre nada e coisa nenhuma.

    Quanto melhor é quando há bruma.
    Esperar por D. Sebastião,
    Quer venha ou não!

    Grande é a poesia, a bondade e as danças...
    Mas o melhor do mundo são as crianças,
    Flores, música, o luar, e o sol que peca
    Só quando, em vez de criar, seca.

    E mais do que isto
    É Jesus Cristo,
    Que não sabia nada de finanças,
    Nem consta que tivesse biblioteca...

         Fernando Pessoa

sábado, 21 de junho de 2014

a primeira atitude para com o outro





Tudo o que vale para mim vale para o Outro [...]. Se partirmos da revelação inicial do Outro como olhar, devemos reconhecer que experimentamos nosso inapreensível Ser-para-o-Outro na forma de uma posse.Sou possuído pelo Outro; o olhar do Outro modela meu corpo em sua nudez, causa seu nascer, o esculpe, o produz como é, o vê como jamais o verei. O Outro detém um segredo: o segredo do que sou.[...] Esta forma de "propriedade", com a qual tão comumente se explica o amor, não poderia ser primordial, com efeito. Por que iria eu querer apropriar-me do Outro não fosse precisamente na medida em que o Outro me faz ser? Mas isso comporta justamente certo modo de apropriação: é da liberdade do outro enquanto tal que queremos nos apoderar.[..] Que bom é ter olhos, cabelos, sobrancelhas, e esbanjá-los incansavelmente em um transbordamento de generosidade a esse desejo infatigável que o Outro faz-se livremente ser. 

Sartre, JP. O ser e o nada. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 454ss.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

DE PROFUNDIS CLAMAVI - Charles Baudelaire



J'implore ta pitié, Toi, l'unique que j'aime, 

Du fond du gouffre obscur où mon coeur est tombé. 
C'est un univers morne à l'horizon plombé, 
Où nagent dans la nuit l'horreur et le blasphème; 


Un soleil sans chaleur plane au-dessus six mois, 
Et les six autres mois la nuit couvre la terre; 
C'est un pays plus nu que la terre polaire 
-- Ni bêtes, ni ruisseaux, ni verdure, ni bois! 

Or il n'est pas d'horreur au monde qui surpasse 
La froide cruauté de ce soleil de glace 
Et cette immense nuit semblable au vieux Chaos; 

Je jalouse le sort des plus vils animaux 
Qui peuvent se plonger dans un sommeil stupide, 
Tant l'écheveau du temps lentement se dévide! 

BAUDELAIRE, Charles. In Les fleurs du mal. 

terça-feira, 29 de abril de 2014

AMOR ETERNO


Podrá nublarse el sol eternamente; 
Podrá secarse en un instante el mar; 
Podrá romperse el eje de la tierra 
Como un débil cristal. 
¡todo sucederá! Podrá la muerte 
Cubrirme con su fúnebre crespón; 
Pero jamás en mí podrá apagarse 
La llama de tu amor.

Gustavo Adolfo Bécquer

domingo, 6 de abril de 2014

PREPARAÇÃO PARA A MORTE




A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma, 
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro, 
Com sua plumagem, seu voo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
---Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres. 

BANDEIRA, Manuel. In. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 268.

domingo, 9 de março de 2014

Rota fortunae - Delvanir Lopes



Foi nos dias de verão
quando os delírios se tornaram mais intensos,
que no sol,
jardins irreais,
por onde passeei tantas horas,
iam, translúcidos,
sendo taciturnos desertos.

Foi nos dias de angústia,
quando as flechas,
torres secas,
sombras e céu sem nuvens,
- esse cemitério de sonhos -
iam gerando braços mortos,
enlaçados,
que um dia quis imortais.

Libertar,
fugir dos nós do jogo sem convite.
Esperar,
sem paciência, que o gelo derreta a loucura
que já domina meus dias.
Aceitar, chorando,
o novo lance do acaso.

São tantas despedidas
no verão do sofrimento
quando as almas se derretem
e atravessam os vitrais do tempo

para pousarem em jardins de vento
e serem só perfume...

que espero a primavera,
quando as sementes de cores
atrairão aves migratórias
para povoar esse jardim;
quando os ventos do poente
virão, mansamente,
girar, ainda uma vez,
a roda do meu destino.


LOPES, Delvanir. Rota Fortunae In: Jardim de concisos. Florianópolis: Bookess, 2015, p. 63-64.


domingo, 2 de março de 2014

MADRUGADO - Delvanir Lopes

Madrugado
 


 Cheguei antes do sol,
carregado de noite e de orvalho,
protegido no silêncio em meio às árvores
sem primavera.

O assovio de morte que atravessa os galhos,
secos e tortos,
respira próximo aos meus ouvidos,
sussura que não é o fim
e leva os pensamentos
que, desprendidos,
voam para a saudade

e se libertam no esquecimento.

LOPES, Delvanir. Epítomes, concisos e nótulas. Pará de Minas: VirtualBooks, p.13. (no prelo)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

CARTAZ PARA UMA FEIRA DO LIVRO



Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.



QUINTANA, Mário. 80 anos de poesia. São Paulo: Globo, 2008, p. 113

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O menino do dedo verde - fragmentos




É preciso acontecimentos extraordinários para que se deem férias às crianças. uma cadeia que floresce desperta sem dúvida uma grande surpresa; mas a gente logo se habitua,  e acaba achando natural que um gigantesco jardim se eleve em lugar de muros cinzentos. 
A gente se habitua a tudo, mesmo às coisas mais estranhas. 
[...]

"Para esta menina sarar, pensava ele, é preciso que ela deseje ver o dia seguinte. Uma flor, com sua maneira de abrir-se, de improvisar surpresas, poderia talvez ajudá-la. .. Uma flor que cresce é uma verdadeira adivinhação, que recomeça cada manhã. Um dia ela entreabre um botão, um outro desfralda uma folha mais verde que uma rã, num outro desenrola uma pétala... Talvez esta menina esqueça a doença, esperando cada dia uma surpresa..."

DRUON, Maurice. O menino do dedo verde. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Extreme moment - Delvanir Lopes

 

When I'm leaving
I ask gusts of light wind,
For long hugs,
No goodbyes ....
and no waves.

I ask the rain coming slowly.
Warm drops smelling orange
Washing the flowers,
Taking the dust that has accumulated in the short days of existence;
Feeding the seeds
For new beginnings.

I ask the bees and crickets,
I ask birds with feathers of the rainbow,
I ask endless flocks,
I ask flute music,
I ask the sound of drums,
I ask dance, I ask chants
I ask improvised rhymes and smiles of party.
I ask high trees and cool shadows to the path
without arrows.

No time to review the steps,
No sorrow for sighs that will extinguish,
One by one,
And lost in the void ...
Leave traces,
Leave fall the peel in slowly
and become what it was.

Go towards the beyond of the haphazard
Longing by the columns of cloud
The sky emerald
And the doors through which I want to pass.


by Delvanir Lopes (18/07/2013)
poema inédito,  livro ainda no prelo.