domingo, 23 de abril de 2023

MULHER AO ESPELHO - Cecília Meireles

 


Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.


Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.


Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?


Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.


Mas quem viu, tão dilacerados, 
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.


Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

MEIRELES, Cecília. Mulher ao espelho. In: Poesia completa. São Paulo: Global, 2017, p. 536. (Mar Absoluto e outros poemas, vol. 1)

foto - Reyner Criative - Pixabay

Nenhum comentário:

Postar um comentário