domingo, 27 de dezembro de 2020

NEGRO - Raul Bopp



Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens.
As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história.
A sua primeira inscrição em baixo-relevo
foi uma chicotada no lombo.
Um dia
atiraram-te no bojo de um navio negreiro.
E durante longas noites e noites
vieste escutando o rugido do mar
como um soluço no porão soturno.
O mar era um irmão da tua raça.
Uma madrugada
baixaram as velas do convés.
Havia uma nesga de terra e um porto.
Armazéns com depósitos de escravos
e a queixa dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro.
Principiou aí a sua história.
O resto,
o que ficou para trás,
o Congo, as florestas e o mar
continuam a doer na corda do urucungo.



Urucungo: poemas negros. In: BOPP, Raul. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio/Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1975, p. 13. 

RÁPIDO E RASTEIRO - Chacal

 


Vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.
aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.

Ricardo de Carvalho Duarte (Chacal)

É PRECISO AGIR - Martin Niemöller

 





Zuerst kamen sie für die

Kommunisten, und ich war

kein Kommunist, und da

hab ich nichts gesagt und

nichts getan, und dann

kamen sie für die Gewerkschaftler, und ich war kein

Gewerkschaftler, und sie

kamen für die Sozialdemokraten, und sie kamen für

die Katholiken, und sie kamen für die Juden, und ich

war keiner von denen, und

dann kamen sie für mich,

und da war keiner mehr,

der schreien konnte.


Na Alemanha, vieram primeiro atrás dos comunistas, e eu nada falei porque não era comunista.
Então vieram atrás dos judeus, e eu nada falei
porque não era judeu.
Então vieram atrás dos sindicalistas, e eu nada
falei porque não era sindicalista.
Então vieram atrás dos católicos, e eu nada falei
porque era protestante.
Por fim, vieram atrás de mim e, nessa época, já
não havia sobrado ninguém para falar.


Martin Niemöller

A GRANDE SEDE - João da Cruz e Souza

 



Se tens sêde de Paz e d'Esperança,
Se estás cégo de Dor e de Peccado,
Valha-te o Amor, o grande abandonado,
Sacia a sêde com amor, descansa.

Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa

Do Amor e ficarás desafogado,
Has de ver tudo claro, illuminado
Da luz que uma alma que tem fé alcança.

O coração que é puro e que é contricto,

Se sabe ter doçura e ter dolencia
Revive nas estrellas do Infinito.

Revive, sim, fica immortal, na essencia
Dos Anjos paira, não desprende um grito
E fica, como os Anjos, na Existencia.




* grafia original 

PARA QUE A ESCRITA SEJA LEGÍVEL - Cecília Benevides de Carvalho Meireles


Para que a escrita seja legível,
é preciso dispor os instrumentos,
exercitar a mão,
conhecer todos os caracteres.
Mas para começar a dizer
alguma coisa que valha a pena,
é preciso conhecer todos os sentidos
de todos os caracteres,
e ter experimentado em si próprio
todos esses sentidos,
e ter observado no mundo
e no transmundo
todos os resultados dessas experiências.

MEIRELES, Cecília. In: Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1993, p. 1403.


YOU'VE GOT A FRIEND - Você tem um amigo - Carole King



When you're down and troubled and you need some love and care,
And nothing, nothing is going right,
Close your eyes and think of me and soon I will be there
To brighten up even your darkest night.

You just call out my name, and you know wherever I am,
I'll come running to see you again.
Winter, spring, summer, or fall, all you have to do is call
And I'll be there
You've got a friend.

If the sky above you grows dark and full of clouds,
And that old north wind begins to blow,
Keep your head toget-her and call my name out loud.
Soon you'll hear me knockin' at your door.

You just call out my name, and you know wherever I am,
I'll come running to see you again.
Winter, spring, summer, or fall, all you have to do is call
And I'll be there, yes, I will.

Now ain't it good to know that you've got a
Friend when people can be so cold. 
They'll hurt you, yes, and desert you
And, take your soul if you let them.
Oh, but don't you let them.

You just call out my name and you know wherever I am,
I'll come running to see you again.
Winter, spring, summer, or fall, all you have to do is call
And I'll be there, yes, I will.

You've got a friend.
You've got a friend.
Ain't it good to know you've got a friend…

EL VIAJE DEFINITIVO - Juan Jamón Jiménez

    


Y yo me iré. Y se quedarán los pájaros
cantando.
Y se quedará mi huerto con su verde árbol,
y con su pozo blanco.

Todas las tardes el cielo será azul y plácido,
y tocarán, como esta tarde están tocando,
las campanas del campanario.

Se morirán aquellos que me amaron
y el pueblo se hará nuevo cada año;
y lejos del bullicio distinto, sordo, raro
del domingo cerrado,
del coche de las cinco, de las siestas del baño,
en el rincón secreto de mi huerto florido y encalado,
mi espíritu de hoy errará, nostáljico...

Y yo me iré, y seré otro, sin hogar, sin árbol
verde, sin pozo blanco,
sin cielo azul y plácido...
Y se quedarán los pájaros cantando.



A Viagem Definitiva - tradução de Manuel Bandeira

Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros
Cantando...
E ficará o meu jardim com sua árvore verde
E o seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul e plácido,
E tocarão, como esta tarde estão tocando,
Os sinos do campanário.

Morrerão os que me amaram
E a aldeia se renovará todos os anos.
E longe do bulício distinto, surdo, raro
Do domingo acabado,
Da diligência das cinco, das sestas do banho,
No recanto secreto de meu jardim florido e caiado
Meu espírito de hoje errará nostálgico....

E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore
Verde, sem poço branco,
Sem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.


METADE - Oswaldo Viveiros Montenegro

 Geraldine Dukes  •  Dorset/UK 

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca
pois metade de mim é o que eu grito
a outra metade é silêncio

Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante
pois metade de mim é partida
a outra metade é saudade.

Que as palavras que falo
não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos
pois metade de mim é o que ouço
a outra metade é o que calo

Que a minha vontade de ir embora
se transforme na calma e paz que mereço
que a tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada
porque metade de mim é o que penso
a outra metade um vulcão

Que o medo da solidão se afaste
e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
pois metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o seu silêncio me fale cada vez mais
pois metade de mim é abrigo
a outra metade é cansaço

Que a arte me aponte uma resposta
mesmo que ela mesma não saiba
e que ninguém a tente complicar
pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
pois metade de mim é plateia
a outra metade é canção.

Que a minha loucura seja perdoada
pois metade de mim é amor
e a outra metade também



Fonte: LyricFind
Compositores: Oswaldo Montenegro / Oswaldo Viveiros Montenegro
Letra de Metade © Warner Chappell Music, Inc

AMANHÃ - Guilherme Arantes


 AMANHÃ


Amanhã será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar
Amanhã, redobrada a força
Pra cima que não cessa
Há de vingar
Amanhã, mais nenhum mistério
Acima do ilusório
O astro rei vai brilhar
Amanhã a luminosidade
Alheia a qualquer vontade
Há de imperar, há de imperar
Amanhã está toda a esperança
Por menor que pareça
O que existe é pra vicejar
Amanhã, apesar de hoje
Ser a estrada que surge
Pra se trilhar
Amanhã, mesmo que uns não queiram
Será de outros que esperam
Ver o dia raiar
Amanhã ódios aplacados
Temores abrandados
Será pleno, será pleno


Fonte: Musixmatch
Compositores: Guilherme Arantes
Letra de Amanhã © Warner/chappell Edicoes Musicais Ltda

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Deborah Brennand - Meu bem

 


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Meu bem

A noite não é uma vela
negra e sem lume,
não é um cacho de uvas
sombrio no parreiral.

Não é aquela borboleta
com asas escuras na mata,
menos ainda é um túmulo
com estrelas douradas.

A noite é, meu bem,

só a origem da claridade.


- Deborah Brennand, em "Poesia reunida". 2007.

sábado, 19 de setembro de 2020

Não posso adiar o amor - António Ramos Rosa

 

António Ramos Rosa

1924-2013 

NÃO POSSO ADIAR O AMOR


Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração.
In: Viagem através duma nebulosa, 1960

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

MARCHA - Cecília Benevides de Carvalho Meireles




 As ordens da madrugada

romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebraram as formas do sono
com a idéia do movimento.

Vamos a passo e de longe;
entre nós dois anda o mundo,
com alguns vivos pela tona,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha dúvida aumento.

Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
-- e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.

Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga,
é tudo que tenho,
entre o sol e o vento:
meu vestido, minha musica,
meu sonho, meu alimento.

Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudades;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.

Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento...
Não há lagrima nem grito:
apenas consentimento.

In: Viagem
Ora Poética, Rio de Janeiro: Nova Aguilar,  1987, p. 125-126.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Fanatismo - Florbela Espanca

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Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.

Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist'rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

SPANCA, Florbela. In: Livro de Sóror Saudade